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Ensinar a amar

Hoje, com minha avó internada e eu a mais de 2300 quilômetros de distância, me dou conta, mais uma vez, de quanto o ser humano, mesmo o mais forte deles, é tão frágil. Dona Gecelda teve de ser forte em muitos momentos de seus 92 anos de existência e, acredito que, por isso, poucas vezes se deixou ser frágil. Mas eu, inconscientemente, notava seus momentos que baixava a guarda, principalmente perto da sua netinha caçula aqui.

Minha vó me ensinou a amar margaridas. Na sua casa onde morei alguns anos da minha infância, ela tinha um jardinzinho e me lembro como cuidava das margaridas, que floriam todos os anos, suas pétalas grandes e brancas, o miolinho amarelo. Como ela cuidava daquele pequeno jardim. Foi ali que as margaridas se tornaram minhas flores favoritas.

Minha vó me ensinou a amar moda. Costureira durante toda a sua vida, nasci e cresci ouvindo as máquinas de costura trabalhando o dia todo, um barulho que nunca me incomodou. Além, é claro, de todas as revistas, “manequins”, como ela sempre chamou, que gostava de olhar. Por muitos anos quis me tornar estilista e desenhar roupas que poderia costurar com ela. Aliás, minha vó me ensinou a costurar e bordar.

Minha vó me ensinou a amar novelas. Apesar de ela sempre chamar as novelas de “um monte de bobagem”, ela nunca perdeu um capítulo e, se estava na rua, tinha que voltar para casa para assistir. Quando eu chegava da escola, tinha certeza que ela estaria me esperando assistindo ao novo capítulo da novela das seis. Tenho uma lembrança vivida de assistir “Chocolate com Pimenta” na sala de sua casa.

Minha vó me ensinou a amar café com leite. Quem me ensinou a amar café puro foi minha mãe, mas o café com leite, com um bom pão com manteiga, foi minha vó que mostrou que poderia ficar bom. Ela molhava (encharcava) seu pão com manteiga no café com leite e fui aprendendo a fazer isso do meu próprio jeito. Até hoje como o que, aos cinco ou seis anos, nomeei como “misturada” – que nada mais é do que pão, manteiga e café com leite, como minha vó.

Minha vó me ensinou a amar. Viúva há mais de 40 anos, ela nunca deixou de amar meu avô. Toda vez que ela fala nele, é possível sentir que o amor, a paixão, ainda está viva dentro dela. Eu nunca conheci meu avô, mas do modo como ela sempre falou dele, parece que convivi com ele por muitos anos e a história deles, em vida, não foi longa, mas tão forte que está viva até hoje.

A morte costumava ser um mistério muito grande para mim, até três anos atrás, quando perdi minha mãe. Desde então, ela não é mais um mistério, mas uma certeza, nem boa, nem ruim, apenas uma certeza. Como minha vó vivia dizendo nesses últimos meses, “não sei quanto tempo mais vou durar aqui nesse mundo” e nesse momento, tão frágil, em que ela está numa cama de hospital, eu também não sei.

Viveu uma revolução, uma guerra mundial, uma ditadura, a perda de um marido, de vários irmãos, venceu um câncer, perdeu uma filha. Viveu. Viveu e ensinou e não importa quanto tempo mais ela dure nesse mundo, sei que continuará ensinando a todos que cruzarem seu caminho, a amar.

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