Audiodescrição resumida: ao fundo, foto da série "DOM". Em uma moto, estão Victor, dirigindo, e Pedro, na garupa. Na frente da foto, o texto, em branco: "Dom - 1ª temporada - os dois lados da moeda".
OPINIÃO

A humanização borrando a linha tênue entre o bom e o mau | DOM – 1ª Temporada

Uma série baseada em fatos reais pode surpreender? “DOM“, a primeira série brasileira original Amazon Prime Video, prova que sim. Baseada na história de Pedro Lomba, um bandido que ficou muito famoso por conta de seus assaltos a condomínios de luxo no Rio de Janeiro, no ano 2000, “DOM” leva-nos a pensar que sempre existem dois lados de uma mesma moeda.

Em tal moeda, existem três tramas paralelas: a história da cocaína no Rio de Janeiro; a luta de um viciado para se recuperar e a história dos jornais do ano 2000: o bonde do bandido “gato”, que usou o racismo estrutural como sua principal arma.

A estrutura não linear como instrumento para humanização

A falta de linearidade durante os episódios funciona muito bem para criar a conexão com os personagens. Precisamos conhecer para entender, e saber mais da infância de Dom é fundamental: as internações de reabilitação e seu tempo na FEBEM o tornam mais fraco, mais humano, mais real.

Ao mesmo tempo, a viagem para os anos da ditadura também humanizam e justificam todos os atos de Victor Dantas, pai de Pedro. A dinâmica entre pai e filho guia a série, uma relação intensa, cercada de ódio, mas também de amor, admiração e perdão. A cocaína é o que conecta suas histórias, é o objetivo de ambos, e também o que os afasta de uma vida mais esperançosa e pacífica.

Apesar da viagem no tempo em cada episódio – muito bem representada pela direção de arte, que não deixou nenhuma ponta solta na representação dos anos 70 e dos anos 2000 -, as filmagens foram feitas em ordem cronológica, e por isso, a direção, a montagem e os atores merecem também uma salva de palmas.

Os núcleos bem estruturados de DOM

“The Bling Ring – A gangue de Hollywood” (2013), dirigido por Sofia Coppola, tem personagens que poderiam aprender muito com o bonde de Dom. Cada um ali tem seu trejeito, tornando um grupo completo, a ponto de torcermos para que eles tenham sucesso em seus assaltos. Em especial, a personagem Viviane (Isabella Santoni), a patricinha do grupo, dá um show de atuação, a ponto de deixar o espectador com raiva, já que é ela quem leva Pedro de volta ao mundo do banditismo.

Ainda nos anos 90/2000, a conexão entre os melhores amigos Pedro (Gabriel Leone) e Lico (Ramon Francisco) é mais um dos elementos humanizadores de Dom. Não houve diferença social ou econômica que fizesse com que eles não se tornassem irmãos. Um sempre protegeu o outro e continuaram se protegendo, mesmo que inconscientemente. Apesar disso, o vício na cocaína acabou sendo a destruição de ambos, o vício era mais forte que a amizade.

Já nos anos 70, o principal destaque vai para Ribeiro (Fábio Lago). Mais uma vez, o bem e o mal sendo colocados frente a frente em um só personagem. Quem está errado? O traficante? Quem compra?  A sociedade extremamente desigual? Sempre há dois lados de uma mesma moeda. A cena dos traficantes ajudando os outros moradores do morro em um dia de chuva torrencial também serve para humanizá-los: as pessoas do morro formam uma grande família, uma rede de confiança, o que as pessoas do “asfalto” não conseguem, já que seus empregados são os primeiros a ajudar o bonde de Dom.

O bem X O mal

O roteiro de “DOM” foi escrito a oito mãos, em sala de roteiristas, mas a história foi criada e dirigida por Breno Silveira – num estilo showrunner internacional. Silveira já realizou grandes sucessos do audiovisual brasileiro, como “Dois Filhos de Francisco” e “Gonzaga – de pai para filho”, mas é importante dizer que esse não é o primeiro produto estilo favela movie de seu portfólio.

Nele também está o videoclipe de “Minha Alma” do O Rappa, que possui uma estética delineada em “DOM”: a câmera na mão, inquieta, ajuda a passar a ansiedade dos personagens, 100% do tempo. Não há respiro. Os poucos momentos de leveza e paz acabam rapidamente.

É impossível definir um vilão para a série. Todos tem um lado bom e ruim, todos fazem escolhas muitas vezes duvidosas e burlam leis, indo de acordo com o que acreditam. Apesar disso, Pedro Dom tem um arco de personagem negativo, ou seja, trágico. Ele sai de um lugar ruim, melhora, experimenta uma boa vida, sem o vício, mas ao final, volta a viver de forma ruim, pior que no início.

“DOM” é uma tragédia, um drama familiar, disfarçado de drama policial e favela movie. Produzido pela Amazon Prime Video, é uma obra que colabora para o imagético popular internacional do Brasil e do brasileiro, mas também serve para denunciar o racismo estrutural e a corrupção policial.

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