Os gigantes estúdios e os pequenos Davi’s
A indústria cinematográfica norte-americana tem uma história conturbada. Assim como qualquer outra instituição – incluindo o governo democrático – a soberba de seus membros pode levá-la a lugares obscuros. “Mank”, o novo filme dirigido por David Fincher e escrito por seu pai, Jack Fincher, retrata tal obscuridade do sistema na Era de Ouro de Hollywood, tornando-a o que é hoje.
Mank, personagem que dá nome ao filme, é o roteirista do clássico, dirigido por Orson Welles, “Cidadão Kane”. O que muitos não sabem é que Kane é inspirado no magnata dos estúdios de Hollywood, cujas melhores armas são a imagem e o som – estratégia usada por tantos criminosos ao longo dos anos, vide Goebbels.
Para os amantes de história do Cinema, “Mank” é um prato cheio. Com referências, personalidades consagradas e narrativas inexploradas, é um grande espelho da indústria cinematográfica norte-americana dos anos 40 e, de acordo com outras fontes, de hoje.
Kane está para Welles assim como Mank está para Fincher
David Fincher é um dos diretores atuais que mais se inspira no noir, adaptando o estilo que fez sucesso na década de 40 ao seu modo. Escolha certa para “Mank”.
Honrando a memória de Orson Welles com o preto e branco, tratamento de imagem imitando película e a maravilhosa trilha sonora, Fincher usa da sua assinatura, deixando de lado a profundidade de campo de Welles e trazendo o seu estilo clássico, atado ao protagonista. Herman J. Mankiewicz, aliás, entra para a lista de protagonistas obsessivos e egocêntricos de David Fincher, ao lado de Tyler Dunden; David Mills e Mark Zuckemberg.
Por meio de constantes paralelos com “Cidadão Kane”, ele força o espectador a relembrar do clássico de Welles. Fincher mostra a indústria cinematográfica sem freios, citando grandes polêmicas de estúdios como MGM, Warner e até mesmo do governo do estado da Califórnia.
Quem é Davi perto de Golias?
Um dos grandes problemas da indústria cinematográfica mundial, iniciado na Era de Ouro de Hollywood e que se estende até hoje, é a supremacia dos estúdios e a busca de autores diretores, deixando de lado os pequenos produtores e os autores roteiristas, por exemplo.
A greve dos roteiristas, em 2007, levou a indústria a valorizar a autoria nas séries e filmes. Como é mostrado em “Mank”, os profissionais do entretenimento por muito tempo foram tratados como prostitutas dos estúdios – e de acordo com Marie, em “Malcom & Marie”, até hoje o são.
Se Mank não tivesse lutado pelos créditos em “Cidadão Kane”, ele seria esquecido da história. Injustiças ainda acontecem entre quatro paredes, apesar da regulamentação. “Mank” revela muitas verdades sobre a indústria e a caça por grandes nomes. Essa é, porém, uma equação inversamente proporcional: enquanto estúdios e diretores engrandecem, outros membros se apequenam.
David Fincher – autor diretor – traz uma obra explicita de Jack Fincher – autor roteirista – para admirar com os cinco sentidos. Faz o cérebro mover suas engrenagens, relembrando, associando peças e refletindo sobre uma indústria hollywoodiana que pouco mudou ao longo de 80 anos.