#PraCegoVer Audiodescrição resumida: ilustração de fundo preto. No canto esquerdo da imagem, 4 círculos verdes concêntricos. No crntro dos círculos, um galho dourado onde há um pássaro dourado e uma cobra dourada. No centro da imagem, retângulo branco com o escrito: resenha "A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes".
OPINIÃO

Resenha: “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” – Suzanne Collins

“Snow cai como a neve, sempre por cima de tudo.”

O personagem Presidente Snow em “Jogos Vorazes” sempre foi um homem de muitos mistérios e de um caráter, digamos, duvidoso. Apesar disso, sempre se mostrou um ditador muito consciente de seus atos, crente de que o que estava fazendo era o certo. Como ele chegou nesse ponto? Os fãs da saga terão algumas perguntas respondidas, já que no último dia 19, a editora Rocco lançou mais um livro da saga “Jogos Vorazes”: “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes“, escrito pela Suzanne Collins.

Tal obra é o que chamamos de prequela ou pré-sequência, ou seja, uma nova obra narrativa ambientada no mesmo universo ficcional, com eventos que ocorreram antes da obra original; “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, porém, possui algumas diferenças formais da trilogia e mostra um outro lado da história. Esta resenha vai se basear em três partes principais:

  • A Cantiga e os Jogos;
  • Opinião sobre “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”;
  • Atualidade da Obra.

Espero que ao fim deste post vocês tenham mais clareza sobre a obra, sintam vontade de lê-la ou, se já tiverem lido, que eu possa ter aflorado mais interpretações e ideias à sua mente.

A Cantiga e os Jogos

“A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” possui algumas alterações formais da trilogia “Jogos Vorazes”. A principal delas, que você nota logo nas primeiras páginas, é o narrador escolhido: enquanto “Jogos Vorazes” tem Katniss de narradora, ou seja, é um narrador em primeira pessoa, “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” tem um narrador em terceira pessoa, onisciente, porém ele foca somente em Coriolanus Snow – protagonista desta nova trama.

Sabemos a diferença que essa mudança pode acarretar durante a leitura — principalmente para quem já leu a trilogia. Mas vamos por partes.

A nova obra de Suzanne Collins se passa 10 anos após a guerra acabar, ou seja, 10 anos após os Jogos serem instituídos. É muito interessante ler como Collins deixa claro a precariedade do evento; era uma ideia com apenas um propósito: dar uma lição aos distritos, mas o formato ainda era muito indefinido e frágil. O 10º ano dos jogos, que se passa na obra, é justamente o ano em que se cria a pessoa do mentor e que inicia o pensamento de tudo como um grande espetáculo.

A autora não deixa de lado a jornada do herói, e a estrutura da história é muito parecida com a dos outros livros: mundo comum, jogos e redenção. Acontece que Coriolanus, como estudante da Academia, membro das grandes famílias da Capital, carrega traços que já conhecemos e começa a ser “treinado” para o seu futuro. Para quem já leu “A Esperança” vai entender quando eu digo que tudo faz parte dos Jogos e em “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” isso fica extremamente claro e é algo que irriga toda a narrativa.

Durante a leitura nos sentimos em uma arena, cheia de inimigos e lutas diárias por comida, patrocínio e status.

Com partes líricas, como as canções de Lucy Gray — tributo feminino do Distrito 12 —, e as lembranças sobre a guerra e a infância, a obra é muito bem trabalhada e faz bastante esforço para não deixar os elementos da trilogia original se perderem.

Opinião sobre “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”

Acredito que é nesse ponto que Collins pecou: no esforço de reavivar elementos da trilogia original. Quando vemos ou lemos um spin-off ou uma prequela, amamos achar os “easter eggs“, elementos de outra obra colocados ali para que os fãs ou espectadores/leitores captem, porém em “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” isso foi usado de maneira exaustiva, a ponto de perder a força.

Eu entendo o fato de Suzanne querer explicar como os elementos foram colocados nos Jogos: mentores; bestantes; desfile; entrevistas; porém ela acabou colocando tudo em um só ano — o que não acho que tenha sido tão inteligente nem para a franquia, nem para a história em si. Ter o Snow como um dos primeiros mentores dos Jogos foi uma ideia incrível, porém, ser mentor da garota do 12, talvez um pouco forçada.

Sabemos que o Presidente Snow (na trilogia original) não gosta da Katniss, porque ela o relembra de rebeldes, faz uma fagulha surgir no povo, evocando épocas muito difíceis, cujos Jogos foram criados literalmente para que não se repita. Mas em “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” praticamente todo capítulo traz um “gatilho” para o que virá ser a Katniss e suas ações, o que a torna um personagem implícito do livro, tirando, por exemplo, um pouco da originalidade e estrelato de Lucy Gray. Isso se faz muito presente principalmente na terceira parte do livro.

Se tem uma coisa que a Suzanne Collins sabe fazer é ditar o ritmo certo para os momentos certos. Confesso que minhas expectativas estavam um pouco baixas quanto ao novo livro. Apesar de eu gostar bastante do personagem Snow, eu me perguntava como ele se encaixaria em uma história aleatória como o 10º Jogos Vorazes — o primeiro Massacre Quartenário ou algo assim seria mais lógico pra mim.

Tais expectativas, porém, foram superadas. Além de dar mais profundidade ao personagem da primeira trilogia, Collins também deu mais profundidade aos próprios Jogos. Como qualquer evento, o seu início é simples e, com o tempo, as ideias vão sendo incorporadas e o evento cresce de forma geral. Foi isso que aconteceu nessa edição dos Jogos.

Como obra isolada, é um bom livro; os personagens são bem construídos e, talvez o mais importante, a época é muito bem construída. Todos sabemos que a saga é uma distopia, ou seja, passa em futuro que, de certa forma, deu errado — não é necessariamente apocalíptico, mas há uma situação mundial de desespero e opressão.  A época em que se passa este quarto livro é 64 anos anterior ao primeiro livro da trilogia, de forma que está muito mais próximo aos dias atuais.

Atualidade da Obra

Tal proximidade fica evidente. Há uma lembrança do mundo anterior, de uma América do Norte antes de se tornar Panem e, presente em todo o livro, a memória da guerra civil, que é algo distante na trilogia, 74 anos após o seu fim.

Os personagens em “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” viveram a guerra, passaram por todas as suas barbaridades, fossem eles ricos ou pobres, e portanto, é uma geração que terá certas imagens marcadas em sua mente, imagens que não são esquecidas, o que poderia justificar os atos futuros de Coriolanus Snow como presidente (porém, como todos sabemos, isso entra em uma discussão ética muito grande sobre humanizar um ditador, e que não cabe a este post, mas caso queiram discutir sobre, me chamem em uma das redes sociais).

Com isso, notamos que a história é muito próxima do que vivemos — tão próxima que chega quase a ser uma metáfora. O próprio Coriolanus divaga como deveria ser maravilhoso ter várias Capitais na época de América do Norte, e isso nos faz pensar.

Desde a primeira trilogia nós nos identificamos como os “underdogs”, os moradores dos distritos, e é claro, principalmente por ser narrado em 1ª pessoa, “Jogos Vorazes” nos faz extremamente empáticos com a situação de Katniss e Peeta. Além disso, as pessoas da Capital são descritas de forma muito caricata e irracional, não dando chance de identificação. Mas em “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” as pessoas da Capital deixam de ser tão caricatas — pois não estão sendo narradas pelo olhar do distrito — e se parecem muito normais, inclusive, se parecem comigo e com as pessoas à minha volta, nas redes sociais etc. O que isso diz sobre a sociedade que vivemos hoje em dia?

Sim, somos afortunados. Principalmente aqui no Ocidente, nós não temos guerras há anos, podemos consumir quando queremos, temos comida na mesa. Claro que existem pessoas que vivem de forma miserável (os moradores dos “distritos”), mas o que a maioria das pessoas das “Capitais” fazem? Fecham os olhos para eles.

De certa forma, somos milhares de Capitais deixando que os distritos cresçam em sua miséria. Até que ponto a sociedade, ávida por violência, irá chegar? Será que iremos televisionar crianças lutando pela sobrevivência?

Será que já não estamos fazendo isso?

 

Conte aqui nos comentários sobre suas opiniões de “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, se você teve a mesma impressão que eu, ou se teve uma visão totalmente diferente. E caso ainda não tenha lido, vá ler e depois vem cá comentar.

Se você chegou a esse artigo por conta do filme, eu fiz uma análise do filme e você pode lê-la clicando aqui.

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As imagens deste post possuem textos alternativos.

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