Nossa história é feita de pessoas | Resenha de “Filha da Fortuna”, Isabel Allende
Você pode ouvir a narração desta resenha de “Filha da Fortuna”, de Isabel Allende, no vlog de leitura do Que tal um café?
A minha primeira nota vermelha foi em história. Nunca vou me esquecer do sentimento de falhar no conhecimento daquilo que veio antes de mim e, naquele dia que recebi o papel com “2.5” escrito em caneta vermelha no lugar onde a meta era um “10”, declarei uma mentira que vivi por anos: sou ruim em história.
Tal crença limitante viveu comigo até eu me deparar com obras como os filmes “Uma noite de 12 anos”, “Elis”, “Hamilton” e com livros como “Filha da Fortuna”. Tais obras de arte me mostraram que eu não sou ruim em história, eu amo história, me encanto em aprender sobre os personagens que construíram o mundo que resulta no que eu vivo hoje.
“Filha da fortuna” foi minha primeira experiência lendo Isabel Allende e posso afirmar que é a primeira de muitas.
Demorei a terminar o livro. Enquanto ia me aproximando do final, fui ralentando a leitura, porque não queria dizer adeus. Não queria me despedir desses personagens tão bem construídos e envolventes, não queria me despedir do estilo de escrita da autora, que foi uma surpresa maravilhosa. O modo como Allende interliga vidas, lugares, situações e descreve detalhadamente, mas sem ser enfadonha, me inspirou. Espero, um dia, escrever dessa maneira. E, principalmente, não queria me despedir da aula de história que é “Filha da fortuna”.
Um livro que conta 10 anos – ou seriam 20 – da história do Chile e de sua colonização, principalmente da história de Valparaíso, e também da história do estado da Califórnia, nos Estados Unidos, dando, aliás, um tapa na cara de muitos norte-americanos que esquecem que aquele país foi construído principalmente por imigrantes e os poucos indígenas que ficaram vivos.
Eu, que passei a amar história, viajei para o Chile de 1843 e para a Califórnia de 1850 com muita facilidade através das palavras de Isabel Allende, o que me fez querer conhecer ainda mais a cultura e histórias chilenas.
A minha viagem a Santiago já estava marcada há meses, mas queria terminar a leitura de “Filha da Fortuna” antes de voar para a cordilheira. E que decisão acertada! Pude conhecer referências citadas no livro, como o Cristo de Mayo, e estar frente a frente com cenários exuberantes, que antes só podia imaginar por meio das palavras de Allende — que traduzir muito mais emoção que fotos das paisagens andinas no Google.
Ler “Filha da Fortuna” me lembrou que não, eu não sou ruim em história, talvez eu fosse ruim frente ao sistema que a escola formal ensine história. Eu AMO estudar história e eu sei que toda a bibliografia de Allende é conectada à história do Chile e das Américas, sempre com personagens femininas profundas e completas e, por isso, quero ler todos os livros da autora, que se tornou uma das minhas favoritas.
Me encantou sua criação de personagens de tantas culturas diferentes, frente ao cenário de fluxos migratórios do século XIX, com tanta respeitabilidade e veracidade a cada um deles. Percebi que, para mim, as obras que mais me encantam são aquelas cujos personagens me cativam. A alma de uma história vem das pessoas que a vivem.
A história do mundo foi escrita por seus personagens, famosos e anônimos, e se tivessem me ensinado isso e me apresentado antes esses tantos personagens diversos, sem dúvida aquela nota vermelha teria sido azul, como o mar do Pacífico, tão explorado e também protagonista em “Filha da fortuna”.