OPINIÃO

Malena: tragédia anunciada com uma ponta de esperança

Esta é uma resenha com spoilers.

Se você é tão especial quanto dizem, por que não se sente assim? Essa é a reflexão recorrente em “Malena“, livro de Leoni Cruz, cuja personagem principal é a linha condutora de todos os conflitos do romance. Uma história voltada para adolescentes, no cenário de um colégio de elite, em São Paulo. E que trata de temas relevantes, como depressão, ansiedade e suicídio. Isso é “Malena“, ou melhor, essa é “Malena”.

O autor tomou uma atitude perigosa: começar o livro fazendo com que o leitor não goste da protagonista. Malena nos é apresentada como uma menina grossa, ingrata e insensível. Digo isso com lugar de fala, sou uma garota paulistana, de origem humilde, que ganhou bolsa de estudos em uma ótima escola e passou todo o Ensino Fundamental e Médio convivendo com diversos adolescentes de classes socioeconômicas mais favorecidas que a minha. Comecei o livro com ódio de Malena por ela não ficar feliz com a oportunidade de estudar gratuitamente em uma ótima escola particular.

Apesar desse sentimento controverso, a leitura fluiu lindamente e, mesmo sendo um livro de 600 páginas, devorei a história com rapidez, me sentindo dentro de todos os acontecimentos. A escrita de Leoni Cruz é surpreendente nesse sentido, fazendo com que o leitor se sinta também parte da história.

Com o passar das páginas, me peguei refletindo: odiar Malena não faz de mim mais uma das adolescentes que passaram pela vida dela, ignorando, pré-julgando, afastando-a da minha convivência? Da mesma forma, já me vi muito como outras personagens da trama. Na escola, eu era a clássica Gutinha: sempre à sombra da menina considerada mais bonita e popular. Já conheci muitas Giovannas, Malenas, Eduardos e Guilhermes e posso dizer que nada durante o livro foge da realidade das escolas paulistanas — e muito provavelmente de escolas particulares de toda cidade grande.

As referências usadas por Leoni Cruz são claras e muito bem colocadas, desde o clima de “Euphoria” (série da HBO lançada em 2019), a cena icônica de “Carrie, a estranha” (livro de 1974, adaptado diversas vezes para o audiovisual), até a ambientação voltada ao gênero dark academy. Senti um pouco de “Sex in the city” e de Carrie Bradshaw em Malena e sua atenção com a moda, mas ela é uma Carrie melancólica e de energia carregada, levando um pouco da desigualdade que encontramos no cotidiano paulistano dentro de si e da sua história.

O público-alvo do livro é jovem adulto, pessoas que estão ainda no Ensino Médio ou que acabaram de conclui-lo e buscam histórias que podem trazer um pouco de esperança a essa fase da vida tão atribulada que é a adolescência. Eu, como uma leitora que já passou dos 26 anos, faculdade, casamento, e já viveu tudo aquilo que o livro mostra há anos, senti falta da tragédia anunciada ter se concretizado. Malena não precisava morrer, mas também não precisava ter se recuperado tão rapidamente e sem sequelas.

Todas as ações que fazemos têm consequências e isso foi a única coisa que senti falta durante a leitura do livro: consequências. O único personagem que realmente pagou por seus atos — tanto os bons, quanto os maus — foi Guilherme, que foi expulso do colégio e, no final, se reconciliou consigo. Eu sei, no mundo real as pessoas normalmente saem impunes de seus atos, mas, por “Malena” ser uma ficção, sinto que Giovanna saiu ilesa, Malena saiu ilesa e Eduardo passou de coadjuvante para figurante. Se algum dia houver uma continuação dessa história, talvez esse ponto possa ser resolvido.

Foi importante conhecer Malena aos poucos, a história mais se apoiou no mistério que é a pessoa Malena do que nos acontecimentos em si, comuns em todas as histórias de colegial. Apesar dessa carência no final, “Malena” é um livro que nos leva de volta ao colégio, aos tempos de Rua Augusta, à época em que tudo era mais fácil e, ao mesmo tempo, muito maior ao nosso ver do que aos olhos dos adultos que nos cercavam.

Se você busca um livro young adult, nacional, nada bobo e, ainda assim, envolvente e fácil de ler, “Malena” é a escolha para você. Queria agradecer ao autor, Leoni Cruz, por ter enviado a sua versão física para mim com muito carinho. Ela já está em um lugar especial na minha estante.

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