Amor: os três tipos e as histórias ficcionais
“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. — 1 Coríntios 13:4-7
O amor é um sentimento que não está exclusivamente ligado ao romântico e, eu como uma romântica incurável, digo que o amor Eros é extremamente difícil de encontrar, é uma construção, procedente da paixão. Diferente do amor pelos amigos, Philia, que pode nascer instantaneamente e durar a vida inteira. Seria um tipo de amor mais forte que o outro? Mais válido?
Matt Haig, em “A biblioteca da meia-noite“, diz que “amor, riso, medo e dor são moedas universais”. Se são universais, são também sentimentos que podem estar dirigidos a qualquer pessoa, ser, coisa. Do grego vêm os três principais conceitos do Amor: Eros, Fília e Ágape. O primeiro, relacionado ao romântico, sexual; o segundo à amizade e família e o último, ao espiritual. Se há tantos tipos de amor, por que as narrativas costumam chamar de história de amor apenas aquelas ligadas ao Eros? Neste artigo, vamos discorrer mais sobre isso. Continue a leitura.
Amor romântico: Eros
O conceito de Eros, trazido da Grécia Antiga, é caracterizado pelo romance, pela paixão e pelo desejo. Segundo o historiador de mitos e histórias gregas, Junito Brandão, há ainda outros dois sentidos para Eros: a união dos opostos e o que poderíamos chamar de perversão. O amor seria uma força que se realiza na ação, que só se concretiza no contato com o outro.
Portanto, Eros está intimamente ligado ao prazer, à atração física e ao sexo. Por isso a imagem do Cupido é tão comum: Eros, o deus do amor, com sua flecha, acerta o coração do outro, realizando esse contato, essa ligação.
Platão interpretou Eros de uma maneira quase romântica, já que, para ele, apesar de sentir Eros por outra pessoa, o amor é transformado, na verdade, “na apreciação da beleza trazida na alma”. Por isso ouvimos falar em “amor platônico”, um amor inalcançável e, mesmo assim, belo. A partir dessa afirmação platônica, Freud, tanto em “Além do princípio do prazer“, quanto em “Psicologia das massas e análise do eu“, relaciona o Eros com a libido, que não é apenas o desejo sexual, mas a força de vontade, a força vital de cada ser humano.
Histórias com amores à primeira vista, de estranhos a amantes, até mesmo de inimigos a amantes, amores de verão, são narrativas que expõem o amor Eros e, comumente, são essas as mais chamadas de “histórias de amor”.
Amizade: Philia
Ao discorrer sobre os conceitos de seu mestre, Aristóteles explica Philia como a amizade perfeita, o grau máximo de amor entre duas pessoas boas, que desejam bem um ao outro sem querer nada em troca. Segundo ele, a amizade por utilidade, ou seja, quando uma pessoa ama a outra por conta do bem que recebe do amigo, ama apenas a si mesmo e não ao outro, e, portanto, é uma amizade fácil de se dissolver.
Aristóteles alerta que o grau Philia de amizade não é frequente, pois pessoas com um tão elevado nível de virtude não são tão comuns e, para a perfeição da amizade, para alcançar a Philia, é necessário tempo e familiaridade. A Philia engloba, também, a lealdade, a família e a comunidade, visando sempre o bem do outro a quem esse amor é designado.
Poderíamos dizer, então, que o amor Philia é sincero, puro e recíproco e ultrapassa Eros?
Eu acredito que sim. Como uma conselheira romântica, que contrói todos os dias um relacionamento que já dura quase 9 anos, digo que é importante que, até mesmo antes de Eros, você e seu parceire sintam Philia um pelo outro. Marisa Monte não mentiu ao cantar “meu melhor amigo é o meu amor”, porque esse é o amor que dura, que vai além do desejo, mas permite que queiramos apenas o bem do outro, sem pedir nada em troca. Ou seja, Eros e Philia se juntam em um relacionamento romântico saudável.
A trope de amigos a amantes, um clichê que eu amo nas histórias românticas, traz justamente essa beleza do amor puro, do querer o bem antes de querer o corpo. Se dois personagens são amigos antes de se tornarem amantes, quer dizer que o amor entre eles (Philia) já estava sendo construído e fortalecido antes de o desejo sexual (Eros) surgir.
Além desse tipo de história, o amor Philia também é encontrado em histórias de amizade, mesmo que, durante a narrativa, não encontremos nenhum par romântico. Infelizmente, esse tipo de história, mesmo falando de amor, normalmente não é caracterizada como uma história de amor.
Amor incondicional: Ágape
Ágape é o amor por todos os seres, caracterizado por uma conexão com a natureza, a humanidade e o universo. É um conceito utilizado por muitas religiões, já que Ágape seria o amor de Deus para com o mundo. Para os cristãos, seguir o primeiro Mandamento divino (“amai uns aos outros como eu vos amei”) e doar-se ao outro é o exercício do Ágape.
Sendo assim, Ágape não surge entre as pessoas, é uma dádiva, um dom de Deus, como o maior dos sacrifícios (Jesus crucificado por amor à humanidade), que deve ser seguido como sinal de reconhecimento. Para o cristianismo, Ágape se revela nas formas da caridade e misericórdia puras, sem desejar nenhum reconhecimento em troca.
Nas narrativas, é raro encontramos personagens que realizam algum ato de caridade, de bem a um desconhecido, sem desejar nada em troca — afinal, quando estamos falando de ficção e desenvolvimento de personagem, faz parte todos os personagens terem um objetivo a ser alcançado e suas ações estarem intimamente ligadas a ele. Poderíamos dizer que os grandes heróis da ficção, que se sacrificam em prol de um bem maior, praticam o Ágape, mas uma versão “humanizada” desse amor, já que, na maioria das vezes, esse herói recebe uma recompensa por seu sacríficio — e aceita tal recompensa — coisa que não condiz com o amor Ágape.
Mas em mitos e narrativas dos povos originários é comum encontrarmos representações de Ágape no cuidado com a natureza, tratando-a de igual para igual, e no contato com o universo.
Os três tipos de amores nas narrativas
O amor romântico na literatura não é moderno ou contemporâneo. Desde os primórdios das narrativas, Eros estava presente — em “Édipo Rei” estava tão presente a ponto de ocorrer um incesto. A grande novidade, mais retratada nas histórias contemporâneas, é um tipo de amor se transformando em outro e até mesmo amores não românticos ou sexuais.
Mitologia grega, sonetos, Shakespeare, literatura moderna, contemporânea, todas elas retraram o amor, em seus diversos tipos. Por isso, também, dizer que certa história não é uma história de amor só porque não tem um casal que termina junto é uma afirmação equivocada. Se há amor envolvido, é uma história de amor.
Eu escrevo histórias de amor: romântico, de amizade e empatia com o próximo. Se quiser acompanhar o meu trabalho, siga-me nas redes sociais.