OPINIÃO

Snow caiu como a neve e congelou meus olhos na tela

Um garoto vive durante uma guerra, vê e comete atrocidades em prol de querer voltar para casa, pelo bem da sua família e do seu povo. Sobreviver a uma guerra em uma idade tão tenra, quando a maturidade ainda não bateu à porta, pode ser um separador de águas, psicologicamente e espiritualmente. Se o seu lado da guerra sai perdedor, o ódio corrói tudo que esse tal garoto foi ou poderia ser um dia.

Esse é o passado de um dos maiores e mais cruéis ditadores da história: Adolf Hitler. Não por acaso, é referência da prequela de uma das maiores distopias literárias das últimas décadas. Coriolanus Snow, em “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, revive o mito do ditador corrompido pela guerra e pela miséria quando novo, e, tanto nas páginas, quanto nas telas, mostra outra perspectiva de um vilão incompreendido.

A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes“, adaptação do livro homônimo, traz o passado do presidente Snow, personagem vilão da série de livros e filmes “Jogos Vorazes“.

Nunca escondi que Suzanne Collins é uma das minhas autoras favoritas e esse filme, novamente, faz jus aos espetáculos que são suas criações. Apesar de adorar como Suzanne escreve, a leitura de Cantiga me deixou com uma sensação incômoda: parecia que a autora, a todo momento, mencionava algo da trilogia original para que a história de Snow estivesse intimamente ligada à história de Katniss. Você pode ler mais sobre esse meu sentimento na minha resenha do livro.

Felizmente, com o filme foi diferente.

O roteiro de Michael Arndt, Michael Lesslie e a direção de Francis Lawrence (mesmo diretor de “Em Chamas” e “A Esperança” I e II) suavizaram essas menções futuristas, fazendo com que eu assistisse a história de Coriolanus Snow e apenas ela.

Coriolanus, aliás, muito bem traduzido por Tom Blyth, uma das duas atuações saltaram os olhos durante as mais de duas horas e meia de filme, junto com Viola Davis. Sozinhos, os dois roubam a cena e, quando estão na mesma cena, roubam o filme. “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” não teria o mesmo impacto sem eles no elenco. Os outros atores e atrizes são ótimos, nenhum decepciona, mas Viola Davis e Tom Blyth são os nomes principais dessa adaptação.

Quanto à Lucy Gray (Rachel Zegler), senti que Francis Lawrence queria muito compará-la à Katniss Everdeen, até mesmo fazendo paralelos de planos usados nos filmes da trilogia original. O problema nisso é que Lucy Gray não é Katniss Everdeen, e possui um final misterioso, aberto e um pouco decepcionante. Mas a culpa disso é da Suzanne Collins, Francis está absolvido, porque adaptou exatamente como no livro.

Um acerto gigantesco foi em relação à trilha sonora. Em diversos momentos as músicas usadas foram as mesmas dos filmes anteriores e isso fez com que fãs fervorosos – como eu – e até não tão fãs assim, revisitassem algo conhecido e amado. Ninguém move nossas emoções como a música e a equipe de “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” usou desse mecanismo minuciosamente – até porque, é um filme, em parte, musical.

Cada detalhe de arte também nos faz viajar para o presente. Tudo é muito atual. A guerra em Panem aconteceu por conta das mudanças climáticas e a falta de recursos naturais. 2023 não está longe de ser um apogeu para algo assim. E, como na história do início deste artigo, há mentes que não estão preparadas para sobreviver a isso. Os figurinos, os equipamentos eletrônicos utilizados pela Capital e a organização socioeconômica  nos transportam ao presente.

Estaríamos virando uma grande Panem?

Assim que terminei de ler o livro, achei que transformariam a história em uma série. E convenhamos, há muito material para uma série de, pelo menos, três temporadas. Poderiam explorar mais a relação do bando, assim como a relação de Sejanus com os pais, até mesmo mais de Coriolanus e Tigris, mas optaram pelo filme. Pelo curto espaço de tempo que um filme dispõe, o resultado é muito bom.

Francis Lawrence trouxe um gostinho de Lars Von Trier ao separar a obra por partes, como no livro, bem marcadas pelos títulos brancos em tela preta. Quem sabe não vou assistir “Melancolia” assim que terminar de escrever essa análise? Deu até vontade de visitar o Lars…

“A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” é um filme que prova como Cinema e Literatura são grandes irmãos e podem andar lado a lado, se complementando e se amando. Essa adaptação entra na franquia de “Jogos Vorazes” – já composta de quatro adaptações extraordinárias – com êxito e não decepciona os fãs nem aqueles que entraram no mundo de Panem por ele.

Se você ainda não leu o livro, te convido a conhecer a história do filme e de Coriolanus Snow, futuro presidente de Panem, com mais detalhes. E se você ainda não foi ao cinema, vá viver essa experiência em tela grande, enquanto ainda é tempo. Lembre-se: Snow cai como a neve, sempre por cima de tudo.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.