Escrever pensando nos cinco sentidos deixa a história mais palpável
Você já contou como foi seu primeiro encontro pra alguém? Aposto que tiveram alguns detalhes que não ficaram de fora: se a comida foi boa, se a pessoa estava perfumada, se o abraço no final de encontro foi aconchegante, o quão bonito estava o céu naquela noite, como a música do restaurante era brega, que duas horas passaram em cinco minutos, entre outras coisas que qualquer um que ouvia a história gostaria de saber. Tais detalhes agregam muito à sua narrativa, porque eles conversam diretamente com o sensorial de quem está lendo ou ouvindo, evocando na memória dela algumas lembranças parecidas, facilitando na imaginação. Ao escrever, o mesmo recurso deve ser aplicado: escreva pensando nos cinco sentidos.
Como escrever pensando nos cinco sentidos?
Visão, audição, olfato, paladar e tato. São neles que você tem que focar durante a criação e descrição de uma cena. Quando você transforma sentimentos em palavras, o máximo de detalhes palpáveis ajudam a montar o universo esperado na mente do leitor. Suas palavras são os olhos, os ouvidos, o nariz, a boca e a pele de quem está lendo. Por isso, crie o máximo de elementos que possam transmitir tudo aquilo que o seu personagem — que naquela história é uma pessoa real —, poderia estar sentindo.
Cuidado para não exagerar, deixando a escrita muito forçada e com tanta informação que o leitor se perde no meio das palavras, mas uma explicação ou outra ajudam a tornar sua descrição da cena mais rica e concreta. Isso não serve apenas para escrever uma narrativa ficcional, mas em qualquer momento da sua vida em que você precise contar uma história ou acontecimento.
Quais os detalhes que devo focar?
Priorize o que vai ser importante para a narrativa como um todo. Há elementos que fazem parte do perfil dos personagens ou que são muito importantes para o enredo.
Criando uma premissa: Giulia é alérgica a frutos do mar, mas ela foi convidada pra ser a modelo do novo restaurante da cidade, focado totalmente em moluscos, e ela teve que aceitar, porque estava precisando de dinheiro. Por mais o leitor ame frutos do mar, é importante que, ao ler, ele se sinta como Giulia, com medo e receosa em todo momento que estiver fazendo a campanha do restaurante. Quanto à visão, ele deve focar nos detalhes “asquerosos” das lulas e polvos; para audição e tato, toda vez que alguém falar a palavra moluscos ela pode tremer ou sentir todos os pelos do seu corpo arrepiarem.
Depois de contar o que é importante para narrativa, use a criatividade para envolver o leitor com mais descrições. Em uma cena é difícil arranjar elementos para todos os cinco sentidos, mas não os deixe de lado durante toda a obra, sempre evoque um sentimento para, pelo menos, dois sentidos por descrição. A forma como você descreve evoca sensações e é isso que todo autor busca, não é? Você deve entender a diferença entre mostrar e contar (o bom e velho “show, not tell”).
Como outros meios podem ajudar?
A escrita é a transcrição de diversas coisas em palavras. Não é como no cinema, por exemplo, que temos imagem e som trabalhando juntos, facilitando a imersão. Na escrita tudo tem que se transformar em texto.
Uma técnica que pode ajudar seria pensar que está escrevendo para outros meios e não um romance ou conto. Quem já está acostumado a escrever roteiro cinematográfico pode ter facilidade para descrever os elementos visuais e sonoros, afinal, são dois dos três focos na hora de escrever um roteiro — o terceiro é o próprio enredo. Se você não tem tanto contato com roteiro, reflita como você descreveria uma cena visualmente para alguém por telefone, por exemplo. E nessa cena que você está descrevendo, quais os sons que mais chamam a atenção? Ou é o silêncio que deve ser exaltado?
O toque, a pele, algo acontece ali? Existem duas pessoas se tocando ou é apenas alguém com muito frio a ponto de ter parado de sentir as falanges dos dedos das mãos? O cheiro que está vindo do carrinho de churrasco da esquina a fez salivar a ponto de esquecer o caminho do seu destino? Lembre de sensações que você mesmo experimentou e transforme-as em palavras.
Um parágrafo para os cinco sentidos
Toda tarde de domingo era diferente, exercícios de teatro novos, passos de dança mais difíceis, às vezes um membro novo no grupo. Uma coisa, porém, permanecia a mesma: o perfume dele. Ela não sabia como, depois de duas horas, o seu perfume continuava na pele e quando acabava o ensaio da dança, grudava na dela também. Era estranho como eles não se importavam um com o suor do outro, escorrendo nos rostos e nas costas. O que saltava ali era ritmo da música, lenta, mas forte. O palco era um lugar de liberdade e estar com alguém de confiança só aumentava esse sentimento. Lentas e fortes também eram as batidas do coração dele quando eles ficavam próximos. Muito próximos. Tão próximos a ponto de o bafo quente da sua respiração ofegante chegar na pele dela como uma brisa de verão, daquelas que não refrescam, só aumentam o calor.
Veja os focos: o perfume, a pele suada, o ritmo da música, as batidas no coração e o bafo da respiração ofegante. Tudo isso traz mais vivacidade ao parágrafo e, como leitor, pode ser que alguma experiência individual tenha sobressaído em sua lembrança ao ler uma dessas descrições.
Lembre-se que a quantidade certa de detalhes pode tornar o universo fictício que você está narrando muito real. Não tenha medo de sentir enquanto escreve, de experimentar. Às vezes, vendo com olhos de leitor você vai notar que uma coisa não passa a sensação que você imaginava. Se jogue e curta a experiência de escrever pensando nos cinco sentidos.
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Todas as imagens deste post possuem a #pracegover com audiodescrição resumida em seus textos alternativos.