Ao fundo, foto de uma cena do filme "Depois a louca sou eu". À frente, em letras brancas, "depois a louca sou eu - um retrato da juventude brasileira".
OPINIÃO

Depois a louca sou eu: um retrato da juventude brasileira

Uma grande onda de movimentos pró saúde mental vem acontecendo desde o início do século. A ansiedade e a depressão são as doenças da atualidade – não à toa o livro “Sociedade do Cansaço” de Byung-Chul Han entrou para a lista de best-sellers. Um reflexo dessa sociedade está estampado em “Depois a louca sou eu”, filme de 2019, dirigido por Júlia Rezende, e disponível na Amazon Prime Video.

Júlia Rezende, já firmada no mundo da comédia, com sucessos como “Meu passado me condena” e “De pernas para o ar 3”, traz de forma leve temas graves: a saúde mental do jovem brasileiro e a sua dependência em remédios anti-depressivos. O filme é baseado no livro homônimo de Tati Bernardes.

A juventude brasileira e a cobrança excessiva

Não é recente a reclamação de que as pressões impostas à juventude vêm crescendo. Pode parecer infundada, afinal, vivemos em uma época de paz e harmonia mundial, então de onde vem tal cobrança excessiva? Dos próprios jovens. O avanço da tecnologia proporcionou muitas facilidades, entre elas, a facilidade de comunicação, presença e informação, que se não usufruídas com cautela, podem se tornar um verdadeiro pesadelo.

A personagem Dani – muito bem interpretada por Débora Falabella – é o espelho da juventude brasileira: refém da ansiedade e dos antidepressivos. Refém também da produtividade exacerbada e da cobrança de conseguir realizar seu sonho. Hoje é exigido estar por dentro das principais – e até das não tão principais – notícias; além disso, você deve estar presente em tudo, deve aparecer, se mostrar, participar. Basicamente, quem não se expõe, não existe.

Dani também traz a super estimada produtividade à tona – e seus malefícios. Produzir 100% do tempo, sem olhar para si, sem respeitar seus limites: algo ovacionado na sociedade atual, repleta de workaholics. Como resultado? Os vícios. Enquanto no filme o vício mostrado é o de anti-depressivos e ansiolíticos, ao olhar para o lado encontramos muitos outros: café, tabaco, álcool… facilitadores da vida cotidiana.

As peripécias da direção em “Depois a louca sou eu”

Apesar de temas sérios, a direção de Júlia Rezende dá forma ao tipo de cinema que mais realizadores brasileiros deveriam apostar: sem deixar o estilo do cinema brasileiro de lado, traz referências internacionais e consolidadas do gênero. Além disso, a direção de arte atemporal dá um sentido a mais em toda a trama. Ao mesmo tempo que elementos como o celular aludem aos dias atuais, as locações remetem aos anos 80, como se a protagonista nunca tivesse realmente saído dos tempos de infância.

Os escritos na tela e os inserts de realidade tornam a dor de Dani mais palpável, principalmente para quem nunca teve um ataque de pânico. Já a questão da ansiedade, infelizmente, é possível que todos já a tenham sentido em certo nível e por isso também a personagem se torna tão real.

É claro que o filme aborda as questões psicológicas e tratamentos básicos – principalmente em relação à maternidade. Afinal, a personagem já passou por todos os tipos de tratamento para se ver livre da ansiedade, depressão e pânico. Mas o ponto não são os tratamentos em si, mas como a própria Dani se vê frente aos seus temores e cobranças.

Aos paulistanos e a quem cresceu na zona leste, há um quê de identificação extra. “Depois a louca sou eu” é um filme que se passa antes da pandemia, mas sem dúvida reflete os tempos que estamos vivendo. Também deixa questionamentos sobre a perseguição de sonhos e objetivos: até que ponto é benéfico? Afinal, de que adianta perseguir um sonho de forma tão devota, a ponto de não poder aproveitá-lo quando conseguir? Todos somos loucos, ou melhor, estamos loucos.

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