Audiodescrição resumida: Ao fundo, poster do filme "Judas e o Messias Negro" em tons de vermelho. À frente, em branco, "Protagonista versus coadjuvante".
ESCRITA

O Protagonista e o Coadjuvante: O Caso “Judas e o Messias Negro”

Algo me intrigou muito na temporada 2021 de premiações cinematográficas, relacionado à categoria de melhor ator coadjuvante: Daniel Kaluuya, vencedor desse prêmio tanto no Oscar quanto no Globo de Ouro, realmente deveria estar indicado à melhor ator coadjuvante? Porque, afinal, o seu personagem era protagonista. Ele concorreu, inclusive, contra Lakeith Stanfiel, pelo mesmo filme, “Judas e o Messias Negro”.

Isso me fez refletir, pesquisar mais sobre a construção de personagem, a construção da trama, e escrever este artigo. Será que os jurados realmente se equivocaram na divisão de categorias? Daniel Kaluuya deveria ter sido indicado a melhor ator? Ou Lakeith Stanfiel é que estava na categoria errada? Vamos descobrir.

Quem é o Protagonista?

“O protagonista de uma história tem a força de vontade e a capacidade de buscar o objeto de seu desejo consciente e/ou inconsciente até o fim da linha, no limite humano estabelecido pelo ambiente e pelo gênero”. Essa é a definição feita por Robert Mckee em “Story“. Ou seja, ele é um personagem que deseja algo (interna ou externamente).

O foco narrativo da história é pautado na experiência do protagonista, é a partir dela que o enredo se desenrola.  Além disso, o protagonista se transforma ao longo da história, ou transforma o ambiente à sua volta. Ele mostra uma narrativa única, que não podia ter acontecido sem a sua presença.

“O protagonista tem de ser empático; ele pode ou não ser simpático”. Nessa afirmação, Mckee revela que, mesmo que o seu protagonista tenha valores e um jeito não muito agradáveis, ele deve cativar a audiência. Nós precisamos torcer por ele, seja para fazer uma coisa boa ou ruim (anti-herói).

O protagonista também precisa enfrentar uma força antagonista, ou seja, algo que o impeça ou dificulte de cumprir o seu objetivo final. Nem sempre precisa ser um personagem, pode ser uma instituição, uma ideia ou até mesmo algum impedimento interno que não o deixe seguir em frente.

Pode existir mais de um protagonista?

Sim, isso é possível. Temos situações de dois ou mais protagonistas, conhecidas como multiplot, que divide uma grande história em histórias menores, cada um com seu protagonista e seu antagonista.  É o que acontece em “Game of Thrones“, por exemplo, a trama de multiplot mais conhecida atualmente.

Mas não se deixe enganar pelo falso protagonista. Este é um personagem colocado na história para parecer, nos faz pensar que ele é o protagonista, mas quando olhamos mais de perto, percebemos que o verdadeiro protagonista é outro. Isso não é uma história com mais de um protagonista, mas sim, uma narrativa construída pra enganar. É o caso do filme “Psicose“, de Alfred Hitchcock: desde o início achamos que Marion é a protagonista, até descobrirmos que o verdadeiro protagonista é Norman Bates.

Quem é o Coadjuvante?

O Coadjuvante é aquele personagem que ajuda no desenvolvimento da história. Se pegarmos os arquétipos como exemplo, ele é o mentor, o arauto, são os aliados, os inimigos, entre outros. Cada enredo tem o seu número específico de coadjuvantes, e normalmente nas premiações, os atores indicados a “melhor ator coadjuvante” representaram esse personagem, que aguarda a ação do protagonista pra se movimentar. Ele depende do protagonista.

O coadjuvante não se transforma internamente durante o enredo. Caso isso aconteça, sua transformação tem relação direta com as ações do protagonista. Ele não age sozinho.

Antagonista é coadjuvante?

Isso vai depender da história. Pode-se dizer que, na maioria das vezes, o antagonista é um coadjuvante por ter como base as ações do protagonista (e ir em contraponto a elas). A força antagonista representa uma ameaça ou uma dificuldade para protagonista conseguir o seu objetivo.

Quando personificado, ele se torna o vilão da história. A força antagonista é quem elabora o caráter do protagonista e quem o faz se transformar (em um arco dramático positivo). Sem a ação dela, o protagonista raramente sai do lugar.

O que aconteceu com “Judas e o Messias Negro”?

“Judas e o Messias Negro” é um filme de 2021, escrito por Shaka King e Will Berson e dirigido por Shaka King. Ele conta a história de uma traição, por isso o título muito bem colocado: William O’Neal (Lakeith Stanfiel) é pago para se infiltrar nos Panteras Negras, partido revolucionário do movimento negro, liderado por Fred Hampton (Daniel Kaluuya). Durante a obra bibliográfica, acompanhamos essa infiltração, a ascensão e a decadência de Hampton.

Temos três questões para analisar: é uma obra bibliográfica; acompanhamos altos e baixos de Fred Hampton; mas também toda a ação de William O’Neal. Se apenas as duas primeiras questões estivessem em pauta, não haveria dúvida: Fred Hampton seria o único protagonista do filme. Mas O’Neal está presente, e nós torcemos para que ele conclua sua mudança interna, sua mudança de paradigma. William O’Neal tem um arco dramático perfeitamente construído.

O’Neal, apesar de não ser simpático, é empático: ele cativa. Queremos saber qual seu próximo passo, porque conseguimos perceber a mudança acontecendo dentro dele. Ele se arrepende.  Também somos empáticos com Fred Hampton, que não muda internamente, mas tem o desejo, o objetivo de transformar o mundo à sua volta. Conclusão: ambos são protagonistas.

Os diferentes arcos dramáticos

Fred Hampton é um protagonista com um arco dramático neutro, ou seja, ele não tem grandes mudanças internas: começa e termina a história praticamente do mesmo jeito. Ele já possui a sua verdade, e a defende com unhas e dentes. Por ser um arco neutro, ele é um protagonista cujo objetivo dramático é mudar o seu ambiente, e não a si mesmo. A força antagonista que age no caminho reverso do seu objetivo é a sociedade.

William O’Neal é um protagonista com um arco dramático negativo: ele começa a história em uma situação deplorável internamente, tem uma melhora moral (é o momento que torcemos por ele), mas depois volta à tomar ações eticamente negativas. Apesar de ele saber qual a verdade que ele precisa seguir, ele segue o caminho contrário. E sua força antagonista também é a sociedade, nesse caso, personificada no agente do FBI.

Com isso, fica notável que ambos os atores, Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfiel foram indicados à categoria errada. Nenhum dos dois interpretou papéis secundários, ambos estavam em papéis principais e deveriam ter sido indicados à categoria de melhor ator. Por que não foram? Bom, essa é uma pergunta que provavelmente não será respondida, mas já sabemos qual é o antagonista dessa história, é o mesmo de Fred Hampton e William O’Neal.

 

Depois dessa reflexão palavreada, você também acha que os atores foram injustiçados quanto à categoria que foram indicados? Deixa aqui nos comentários a sua reflexão.

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