#pracegover audiodescrição resumida: ilustração em fundo cinza. No lado direito, oito riscos de diferentes tamanhos e cores descem do topo da ilustração. Ao lado dos riscos o escrito em vinho: "teocracia em vertigem".
OPINIÃO

Política e Religião com Labirintite

Polêmica seria se a Porta dos Fundos não lançasse um especial de Natal em 2020. Como de costume, desde dezembro de 2013, a produtora Porta dos Fundos estreou mais um especial, “Teocracia em Vertigem“, celebrando o nascimento de Jesus, com muito humor e, acima de tudo, muita crítica. Consequentemente, como sempre, gerando  a insatisfação de muitos.

“Teocracia em Vertigem” revela que a equipe da produtora não deixou que a velha política os podassem e, de forma muito sarcástica, utilizou como inspiração o documentário de Petra Costa, “Democracia em Vertigem” e abusou da ironia e sátiras muito bem construídas, modernizando a conhecida história bíblica e trazendo-a para os acontecimentos atuais.

Teocracia X Democracia

O comparativo entre os filmes de Rodrigo Van der Put e de Petra Costa é explícito. A equipe Porta dos Fundos conseguiu captar o cerne do documentário de Petra e transportá-lo para o universo de Jesus Cristo. Com referências para dar e vender de discursos bolsonaristas, terraplanistas e olavistas, Fábio Porchat – roteirista do filme – deixa claro o verdadeiro “mito” que nasce depois de todos os acontecimentos aos quais o filme se refere – não, não é Jesus.

“Democracia em vertigem” também trata da criação de ídolos. Assistir aos dois filmes, colocando-os lado a lado, faz refletir sobre a idolatria “religiosa” em cima de certas figuras – santas ou não. O povo cria o ídolo e a mídia o solidifica, seja no ano 30 d.C., seja a partir das manifestações de 2013, que culminaram no impeachment da ex-presidente Dilma e na eleição do atual presidente do Brasil.

Mas a política e a religião têm mais em comum: a questão da escolha. A Constituição Brasileira protege a liberdade de crença, assim como a liberdade de opinião e voto. Há pessoas que são contra tais defesas constitucionais. “Democracia em Vertigem” foi indicado ao Oscar 2020 de melhor documentário. Apenas outros dez filmes brasileiros conquistaram a façanha de serem indicados à maior premiação do cinema mundial. Interessante como o presidente Bolsonaro comparou-o a “coisa que o urubu come”.

Mas não foi apenas o documentário de Petra que sofreu réplicas, já que a Porta dos Fundos tem um longo passado de retaliações, inclusive pelo especial de Natal do ano passado, “A Primeira Tentação de Cristo”, que foi lançado pela Netflix. A produtora teve até um atentado a bomba em sua sede como represália. Este ano, inclusive, por decisão conjunta, o “Teocracia em Vertigem” voltou ao canal do Youtube, “A Primeira Tentação de Cristo” foi retirado do streaming e o filme “Tudo bem no Natal que vem” foi anunciado como o primeiro filme de Natal brasileiro da Netflix.

Teocracia em Vertigem

Mesmo com as dificuldades de filmar em meio à pandemia, “Teocracia em vertigem” cumpre o que promete e o que é costume dos especiais de Natal da Porta dos Fundos: comédia bastante inteligente. O roteiro, baseado no documentário, traz a sensação de histórias cíclicas. Os mesmos eventos se repetem várias e várias vezes e, como um dos personagens diz, se Jesus voltasse agora, tentariam matá-lo de novo.

O especial de Natal, com imagens baseadas em diversas já presentes no imaginário brasileiro, é um tapa na cara de muitos que assistirão – apesar de que, devido à grande rejeição do filme de 2019, muito provavelmente o público que levaria uma lição de “Teocracia em vertigem” não chegará nem perto do canal do Youtube.

Uma sátira de um dos melhores documentários políticos do cenário atual brasileiro, utilizando de nomes bíblicos para representar os verdadeiros personagens da história. Uma saída de mestre. Em 2020 não serão os extremistas religiosos a retaliar a arte do humor, mas sim os extremistas da política de direita.

Apesar de ser um filme curto, faz o seu papel, o papel da arte e do bom humor: mostrar as dores da sociedade de maneira poética e inteligível. Em 2019, a maior crítica que a produtora recebeu foi colocar Jesus como um homem gay. Esse ano, portanto, Jesus quase nem aparece na história do seu nascimento e, quando aparece, é um homem branco, loiro, de olhos azuis, que sequer deseja retornar à Terra, visto que, ele já voltou como negro, como mulher, e como trans, e foi morto do mesmo jeito. O único deslize da escolha de elenco foi ter colocado o Fábio Porchat no papel de Jesus, pois a figura muito conhecida de Porchat pode quebrar a catarse da crítica.

Apesar disso, não há dúvidas que a Porta dos Fundos conseguiu o que queria e continua não sendo moldada pela grande mídia, mesmo sendo uma produtora parceira da Globo. “Teocracia em Vertigem” coloca em pauta até que ponto um governo que se diz tão conectado à religião não dissimula o próprio discurso, indo totalmente contra ao que a religião cristã prega.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.