Resenha – Minha Sombria Vanessa
“Não sou mais eu mesma, não sou ninguém. Sou um balão vermelho preso nos galhos de uma árvore. Não sou absolutamente nada.”
Há tempos um livro não me prendia e não me impactava tanto quando “Minha sombria Vanessa“. A história de Vanessa Wye, de Taylor, e das diversas meninas deste livro ocorrem todos os dias, com os mais diversos personagens, nos mais diferentes cenários, às vezes inimagináveis. Ou melhor, inacreditáveis.
Na obra, Kate Elizabeth Russell conta, em primeira pessoa, uma história da adolescência de Vanessa Wye, uma garota de quinze anos que se muda para um colégio interno e é assediada e abusada por seu professor de literatura. Não é spoiler, é a sinopse do livro, o que já é impactante.
É surpreendente como a autora consegue passar o sentimento de culpa de Vanessa e a ardilosidade do abusador. Ao mesmo tempo que parece um romance adolescente, uma leitura leve, a escolha de palavras e a narração em primeira pessoa torna tudo muito sinistro e intolerável.
Durante todo o livro fica claro como Russell estudou a mente de homens como Jacob Strane e consegue passar sua malícia, assim como entende a de Vanessa, que infelizmente, é um produto da sociedade machista em que vivemos, onde a vítima é culpada pelos atos de outras pessoas, acredita nessa culpa, desresponsabilizando o agressor ou abusador de qualquer feito.
É um assunto muito presente no Brasil nos últimos meses, principalmente pelo caso de Mariana Ferrer, onde o estuprador foi inocentado com a sentença de “estupro culposo” – como se isso sequer existisse. Em 2017 as denúncias de agressão sexual aumentam exponencialmente na internet, dando mais chance às vítimas para revelarem sua dor e receberem solidariedade e justiça, diferente do início dos anos 2000, em que o meio de denúncia era o habitual, na delegacia.
Apesar disso, o pensamento patriarcal e machista não mudou junto com as redes, na verdade elas se tornaram um meio também de externalização de julgamentos e críticas, piorando a situação de muitas meninas e mulheres que tiveram coragem de se revelar. Outra coisa que não mudou com o passar dos anos foi a falta de justiça quando o caso envolve dinheiro ou o nome de grandes instituições. A vida imita a arte ou vice-versa?
Nos momentos de abuso e agressão, as metáforas e poesias que descrevem a mente de Vanessa não são usadas como eufemismos, mas deixam ainda mais forte o repulso do leitor ao presenciar tal ato. Aliás, não há eufemismos na escrita de Russell, que usa e abusa de palavras como “meter”, “comer” e “chupar”, convenientes para uma leitura adulta, mas chocantes quando se pensa na situação em que estão inseridas.
“Minha sombria Vanessa” possui uma cronologia não linear, o que ajuda a compreender ainda mais o que se passa na mente da protagonista. A editoração da Intrínseca está incrível nesse aspecto, as folhas com a indicação do ano são marcantes e, apesar de simples, tem sua beleza junto à história.
Uma obra que faz refletir a respeito de muita coisa: relacionamento parental, liberdade, consentimento, trauma, culpa, prisão e, claro, abuso. Apesar de ficcional, é uma história forte que te força a ser forte também para continuá-la.