Qual a Diferença Entre uma Adaptação e um Filme Baseado em um Livro?
Todos já assistimos à adaptações e filmes baseados em livros, mas você sabia que eles não são a mesma coisa? Neste post vou explicar qual a diferença entre esses dois modelos de cruzamento entre a literatura e o cinema.
Quando falei um pouco dos lançamentos ficcionais de julho, citei o livro “O Silêncio da Cidade Branca“, que a editora Intrínseca havia lançado como uma nova edição. O livro foi adaptado pela Netflix, resultando no filme de mesmo nome.
Por que eu não disse que o filme foi baseado no romance? Realmente parece uma via de mão dupla e, durante as conversas informais, é muito comum confundir os dois conceitos e tratá-los como sinônimos. Mas se você pretende analisar as obras de maneira crítica e didática — seja para escrever uma crítica, uma resenha ou para não julgar um filme de forma injusta —, é importante que você tenha consciência da diferença entre adaptações e filmes baseados em livros (filmes, séries, novelas, desenhos etc).
O Que São Adaptações?
Imagine a manchete: “livro x será adaptado para o cinema”. O que você deve esperar dessa produção? Uma obra fiel à outra. Ou seja, personagens com o mesmo nome e características físicas; situações principais do livro presentes de forma fidedigna e, até mesmo, alguns detalhes que apenas quem já leu o livro vai poder captar. Porém, deve-se ter em mente que um livro e um roteiro cinematográfico são plataformas completamente diferentes e por isso, tudo que se imagina enquanto lê talvez não esteja representado na tela — na verdade, é muito provável que não estará.
Quando se escreve um livro, há uma liberdade de representações e detalhamentos; você pode escrever por um número infinito de páginas para contar a história desejada — não é aconselhável, mas você pode. Um filme tem a duração de duas horas, aproximadamente. Em média, são 120 páginas de roteiro e, dependendo do filme, mais de dois anos para a produção. E isso é algo que é muito difícil de alongar, porque cada página de um roteiro custa muito dinheiro. Por isso, quando for assistir a uma adaptação no cinema, tenha em mente que você verá quase tudo como leu, mas uma versão um pouco reduzida.
E isso não quer dizer que a adaptação será ruim. Na verdade, se o roteirista escolher os momentos certos da história para colocar na tela, os leitores nem irão sentir a diferença, e dois tipos de público sairão felizes da sala de cinema: aqueles que já leram o livro e aqueles que ainda não leram, mas ficaram com vontade de ler.
As Falhas de Muitas Adaptações
O fato de muitas adaptações não lembrarem de tais pessoas que ainda não leram o livro é a maior falha da maioria delas, que acabam por ser taxadas como filmes ruins. E eu senti isso quando assisti à “O Silêncio na Cidade Branca”. Quando você começa a assistir a um filme já sabendo que é adaptado de um livro, você consegue pegar elementos e situações próprias da literatura; porém é necessário que se entenda a história como um todo. Ou seja, mesmo já existindo um livro, a história deve ser contada de forma didática, porque nem todas as pessoas que estão assistindo, leram.
Claro que o contrário também merece atenção. As pessoas que leram às obras esperam encontrar muitos elementos no filme e, se a maioria deles forem modificados, a magia se perde totalmente e se torna aquela velha história do “o livro é melhor do que o filme”, mesmo sabendo que eles devem ser tratados separadamente.
Exemplos de Adaptações
Na minha opinião, uma das melhores adaptações que tivemos atualmente foram os quatro filmes de “Jogos Vorazes“. Eles deram vida à trilogia, se atentando aos detalhes que os leitores gostariam de ver (como falas principais; modos de vestimenta) e que, para aqueles que não eram leitores, foram detalhes que acrescentaram ao universo distópico. Claro, tiveram explicações que mereciam estar no primeiro filme que acabaram aparecendo só nos últimos, mas são meios diferentes, com necessidades diferentes.
Outra ótima adaptação foi o filme “Um Dia“. Até mesmo o formato de datas foi levado ao cinema, de modo que o espectador não se perdia nos acontecimentos da vida de Emma e Dex. O roteiro levou cenas principais do romance para as telas, encantando espectadores e leitores.
Um filme que eu acho que não tenha acertado como adaptação foi a de “O Lado Bom da Vida“. Claro, a trama principal está ali, existe no filme, mas muitas das tramas secundárias, que impactam diretamente na principal, foram esquecidas do roteiro (o irmão de Pat, o amigo Danny). O filme virou quase uma história de romance e não a passagem por um trauma. Como filme, obra cinematográfica isolada, é muito bom, mas como adaptação, deixa a desejar.
O Que São Filmes Baseados em Livros?
Diferente das adaptações, os filmes baseados em livros tem muito mais liberdade frente à história. Eles não precisam seguir certas regras que aqueles colocados como adaptação devem seguir. Como o próprio conceito diz, a obra audiovisual terá base na obra literária, mas só isso. É como você pegar um conceito como premissa e desenvolver uma história em cima dele, criando elementos próprios em um tempo próprio, com o cuidado de não descaracterizar o cerne daquilo.
Ao assistir um filme baseado em um livro, deve-se ir à espera de surpresas. Você pode ver muito daquela história, assim como pode notar apenas o básico do básico (nem mesmo os nomes dos personagens precisam ser os mesmos).
Ou seja, não existem falhas em filmes baseados em livros? Não é bem assim. A porção de liberdade artística é maior, sem dúvidas, mas “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, como diria o Tio Ben. A obra originária não pode ficar irreconhecível, já que, se uma coisa não possui nada a ver com a outra, são duas coisas totalmente diferentes.
Exemplos de Filmes Baseados em Livros
Um dos meus filmes favoritos, “Romeu+Julieta” (1996), é um filme baseado na obra de Shakespeare, “Romeu e Julieta“, mas se passa em uma Verona moderna, são usadas armas de fogo e não espadas, as festas são repletas de drogas sintéticas e, inclusive, o baile de máscaras é na verdade um baile a fantasia. Os personagens são os mesmos, a trama é a mesma, mas o tempo é outro, a mentalidade dos personagens é outra.
Outro filme baseado em um livro que se tornou um clássico foi “Apocalypse Now” (1979), dirigido por Coppola. O livro original, de Joshep Conrad, “Coração das Trevas” (1902) se passa em meados do século XIX, enquanto a obra cinematográfica se passa na Guerra do Vietnã. Novamente, o tempo foi o elemento principal modificado, mas a crítica principal se manteve inabalada.
“Jesus Cristo Superstar” (1973) é um filme baseado nos livros do Evangelho, na história de Jesus Cristo, mas não é uma adaptação. Nele, a história é contada do ponto de vista de Judas Iscariotes e possui uma crítica sobre a sociedade como um todo; já o filme “A Paixão de Cristo” (2004) dirigido por Mel Gibson é uma adaptação do Evangelho (uma história fiel, que retrata o livro).
O Caminho Contrário
Hoje é muito comum de vermos nas livrarias o movimento inverso, livros inspirados em obras audiovisuais. Ambas as indústrias tiveram de se adaptar para levar as obras de sucesso do cinema também para a literatura. Ainda não é tão comum, mas é algo que está acontecendo cada vez mais.
Um dos exemplos é o livro “O Labirinto do Fauno“, lançado esse ano e inspirado no filme de Guilherme Del Toro, de 2006. O universo de “Star Wars” também se tornou presente nas livrarias, e até Ferris Buller, de “Curtindo a Vida Adoidado” pode estar na sua estante.
É essencial lembrar de que não importa se forem adaptações ou filmes baseados em livros, cada obra é única e merece ser tratada como tal. Leve em consideração essa informação e, se possível, leia o livro base, mas não se prenda a ele. O universo cinematográfico e o universo literário podem ser melhores amigos na jornada da arte. Qual sua adaptação preferida? E qual filme baseado em livro você acha que foi um sucesso? Deixa aqui nos comentários pra discutirmos mais sobre.
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Todas as imagens deste post possuem #pracegover com audiodescrição resumida em seus textos alternativos.
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